A habilidade para transformar pode ser aprendida. Mas é preciso conhecer as barreiras à mudança.
A Mudança Organizacional e a Gestão da Mudança são o centro das atenções atualmente. No caso de empresas, o objetivo é a transformação do ambiente organizacional para operar com desempenho superior. Quando se trata de World Class Manufacturing não se pode ignorar os processos de mudança e as barreiras a eles associadas.
A Transformação Lean, em particular, tem ocupado posição central nas discussões da comunidade lean. Poucos casos de sucesso podem ser citados. Muitos casos de sucesso parcial podem ser observados através de uma visita e observação direta nos locais de trabalho da empresa.
Resultados* do case:
- Melhorias feitas através de grupos de Kaizen;
- Áreas abrangidas: Recursos Humanos, Produção, Manutenção e Logística;
- Barreiras vencidas: Conhecimento, Mentalidade.
- Barreiras parcialmente vencidas: Comportamento da Gerência, Mentalidade da Direção.
* O processo de produção e os resultados mensuráveis podem ser vistos em https://www.prolean.com.br/cases/casodagraficaoperacao/.
A razão pela qual os casos de insucesso não são profundamente estudados é porque casos de insucesso não fazem sucesso. É mais tentador travestir o insucesso e apresentá-los como casos de sucesso.
A consequência mais danosa do “sucesso” é o baixo nível de aprendizagem organizacional. E, por isso, o desempenho abaixo da média persiste. A causa desse comportamento gerencial – travestir o insucesso – reside em níveis mais profundos: a dificuldade cotidiana de se lidar com problemas delicados, presentes em todas as organizações. Os gestores desviam dos problemas embaraçosos, justamente aqueles que deveriam ser resolvidos para transformar a organização. Esses problemas aparecem na forma de Barreiras à Mudança**.
Via de regra, os problemas delicados são escondidos porque colocariam a si ou um colega numa situação desconfortável. Além disso, é embaraçoso reconhecer que um problema foi escondido. Então, torna-se necessário “esquecer” que se escondeu o problema, remetendo-o ao inconsciente (Barreira de Insegurança/Inconsciência Hábil). As consequências disso são, em certa medida, a incompetência gerencial e o aprendizado organizacional deficiente.
Neste contexto, comum à maioria das empresas, é que esse caso ocorreu.
Pessoas de todas as áreas – incluindo operadores de máquinas – da gráfica foram treinadas em Kaizen. Entenderam as etapas da Melhoria Contínua, desde a definição do problema, passando pela descoberta da causa raiz, até a padronização dos processos. Compreenderam que ferramentas do Lean, tais como Gestão Visual, Kanban, Jidoka, têm a função de revelar os problemas. A fim de eliminar os problemas, essas ferramentas normalmente invocam o Kaizen.
Barreira de Comportamento. À medida que as melhorias eram feitas, a atribuição de culpa aos funcionários pelos problemas (barreira de comportamento da gerência) foi diminuindo. Foram identificadas muitas outras barreiras à mudança. Entretanto, para caracterizar as barreiras damos três exemplos a seguir, cada um relativo a um nível hierárquico.
Barreira de Insegurança. Na produção, foi implementado um sistema de gestão visual de modo que uma rápida caminhada pela fábrica mostrasse se a produção corria bem. Numa estação de trabalho, o operador foi instruído a fazer uma pilha de capas de livro defeituosas. Alguém que passasse ali, ao olhar a altura da pilha de capas, poderia saber instantaneamente se havia problema de qualidade. Pilha alta significa que há problema de qualidade. Nas quartas-feiras à tarde o operador descartaria as capas com problema e a pilha seria zerada. Sempre nas quartas-feiras de manhã o consultor observava o tamanho da pilha e propunha alguma ação, se constatasse um problema. O gerente observava a pilha de capa todos os dias e poderia agir no mesmo dia que o problema ocorresse. Numa dessas quartas-feiras, o consultor observou que a pilha estava zerada. Ao questionar o operador da máquina, constatou que ele havia descartado as capas defeituosas porque se “sentia mal” e “envergonhado” ao ver todos aqueles defeitos à mostra de todos. A barreira aqui estava relacionada à exposição dos problemas de produção.
Esse sistema visual foi facilmente restaurado quando foi explicado novamente ao operador o objetivo da gestão visual e o foco na melhoria do processo.
Barreira de Conhecimento. Barreira de Mentalidade da gerência. Com os gerentes foi um pouco mais difícil. O objetivo era implementar um sistema de fluxo na gráfica de modo que se produzisse somente a quantidade necessária, reduzindo-se os estoques em processo. Foram exploradas as vantagens desse sistema: redução de estoques, liberação de espaços, ambiente mais organizado, redução do lead time (tempo de produção), aumento de produtividade, identificação dos desperdícios, identificação dos gargalos e sobras de capacidade.
Para fazer o sistema funcionar, os gerentes teriam de delimitar a quantidade de paletes antes da operação de montagem. Bastaria marcar um retângulo no chão que correspondesse à quantidade de paletes máxima que seria permitida. Quando esse retângulo enchesse, nenhuma matéria-prima poderia ser processada até que alguns paletes fossem processados pela montagem. Estava aparentemente claro para todos que este sistema não diminuiria a quantidade produzida.
Contudo, no momento de marcar o retângulo no chão, os gerentes colocaram uma variedade de objeções: a produção pararia, produtividade cairia, os operadores não seguiriam as regras, etc. A cada objeção era oferecida uma alternativa. A sugestão de começar com mais paletes e ir diminuindo aos poucos não foi aceita pela gerência. E, assim, foram propostas várias alternativas, todas rejeitadas pela gerência. Percebeu-se que a barreira era uma visão equivocada sobre a produtividade. Ficou claro que pensavam na produtividade de cada máquina individualmente em vez de pensar a produtividade global. Vence-se facilmente a barreira de conhecimento através de treinamento e capacitação.
A diferença entre produtividade global e produtividade local foi discutida e entendida com uma analogia (a Lógica do Trânsito). Depois disso finalmente o sistema de fluxo foi colocado em funcionamento. A barreira de mentalidade é mais difícil de ser superada.
Barreira de Mentalidade. Inconsciência. O problema de Recursos Humanos foi abordado pelo um Grupo de Melhorias de RH que, respaldado pela diretoria, deveria achar as causas dos problemas e apontar soluções. Dentre os problemas importantes, a demora nas contratações era o mais grave, pois impactava diretamente no gargalo da operação. O diretor de RH, que também era sócio da empresa, cobrava da produção que o gargalo da gráfica fosse eliminado. O pessoal da produção já vinha aumentando a produtividade e reduzindo os tempos de setup do gargalo. Mas a demora nas contratações fazia com que faltassem operadores para as máquinas-gargalo.
As causas da demora na contratação foram elencadas e validadas cuidadosamente pelo Grupo de Melhorias do RH para apresentá-las ao diretor de RH. O Grupo de Melhorias, então, elaborou um plano de ação para resolver o problema. O líder do Grupo de Melhorias apresentou as causas. Houve concordância de todos, inclusive do diretor e do gerente de RH. Depois apresentou o plano de ação. A maioria das ações, tais como definir a faixa salarial e as regras para contratação de pessoas experientes, apontavam como responsáveis o gerente e o diretor de RH. Todos – o gerente de produção, o diretor de RH e o Grupo Melhorias – concordavam que qualquer aumento na produtividade do gargalo elevaria a produtividade da gráfica como um todo. Todos queriam aumentar a produtividade da gráfica. Entretanto, na durante a definição e validação das ações, o gerente de RH mostrou-se visivelmente incomodado. Barreira de Mentalidade: problemas vistos como incômodos em vez de oportunidades.
Mas o plano tinha de ser levado adiante e apresentado ao diretor de RH. Já no início da reunião de apresentação o diretor alertou para que não fossem inventadas coisas novas e que as estrutura de RH tinha limites, como uma preparação do que viria a seguir. O plano de ações foi apresentado num ambiente de grande desconforto. A cada ação planejada que era explicada, o gerente dizia que aquele assunto já estava sendo tratado, quando na verdade não havia nenhuma evidência disso. O diretor respaldava o que o gerente dizia. Dessa forma, o plano de ação foi totalmente esvaziado pelo diretor de RH. O grupo não percebera que as ações propostas evocariam a responsabilidade do RH por coisas que não tinham sido feitas. Isso gerou um embaraço para os dois, que antes se mostravam comprometidos com o Grupo de Melhorias. Após a última ação do plano foi apresentada o diretor agradeceu a cooperação e concluiu que esse grupo não precisava mais se reunir. Foi o fim do entusiasmo e comprometimento daquele grupo de melhorias. Dali em diante as pessoas do grupo passaram a evitar falar sobre melhorias no RH. Os problemas ficaram escondidos.
As ações planejadas aumentariam o lucro da empresa e dos sócios (inclusive do diretor de RH). Por que, então, o problema foi evitado? O que poderia ser mais importante para o diretor do que melhorias no RH e o aumento de lucro?
É algo mais comum e danoso do que se pensa. Barreira da inconsciência: evitar o problema embaraçoso e esconder que o problema foi evitado, tornando-o inconsciente. Esconder que o problema foi escondido. A barreira da inconsciência é a mais persistente dentre todas.
Alguns anos depois, nenhuma daquelas ações, que supostamente estavam sendo tomadas pelo RH, foi implementada. Contudo, outras barreiras foram vencidas pelos grupos de melhoria, tais como as barreiras de conhecimento e de insegurança.
Por isso, a empresa obteve bons resultados na qualidade e na produtividade. A barreira de inconsciência foi parcialmente vencida quando a diretoria aceitava as recomendações da consultoria. Contudo, os resultados poderiam ser melhores se as barreiras de mentalidade e insegurança/inconsciência fossem eliminadas. Principalmente esta última barreira, ligada ao diretor de RH, estabeleceu um LIMITE acima do qual as NÃO HAVERÁ MELHORIAS.
Esperamos soluções, uma receita, um procedimento, um conselho para fazer as mudanças, para nos tornarmos líderes da transformação. Mas não existe receita para o sucesso das mudanças. Pelo contrário, a maioria dos conselhos que não levam em conta as barreiras é contraproducente. Havendo habilidades e competências específicas para tratar as barreiras, a empresa pode caminhar rumo à transformação. Especialmente a motivação e a habilidade para lidar com problemas embaraçosos, ameaçadores, delicados e importantes têm que estar em ação.
** As Barreiras à Mudança estão explicitadas nas páginas 235-237 em ´Mudança: uma crônica sobre transformação e logística lean (Bañolas, R., Bookman, 2013) e a forma de eliminá-las aparecem ao longo do texto do livro.
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